sexta-feira, 3 de abril de 2015






Se você não está aqui, para que os morangos na geladeira? Talvez eles se percam antes que você volte. Talvez, em vez do chantili, eu faça um biscoito de nata com aquele creme de leite fresco. Para relembrar a infância ou algum outro lugar que não tenha você.

É incômodo pensar que eu mesma terei de decidir o que fazer com cada resto, cada marca, cada futuro desmanchado que ficou. A fechadura estragada, a luminária ainda por instalar, as paredes manchadas (vou cobri-las com papel de parede, já que pintá-las seria uma tarefa nossa).

Andei pensando - o que fazemos na falta, além de pensar? Parece que sempre fica algo a dizer. Em mim as palavras têm surgido como bolhas de sabão: remexo o pote e dali saem os mais lúcidos raciocínios. Pena que no calor da discussãoas bolhas não surjam, para nos trazer a leveza de enxergar.

Talvez fosse melhor conversar sempre por carta. Lembra quando surgiram os e-mails e um certo romantismo voltou a fazer parte da nossa vida? Hoje, retomamos a ansiedade das respostas imediatas. O conflito ganhou sua versão móvel e nos acompanha para onde formos, num aparelhinho que antes só esperávamos tocar. Nem quando estamos sós podemos levar o silêncio.

Cartas, não. Cartas são emoções embrulhadas. Enviam dor, lágrima, saudade, fascinação. Quem as recebe sente o calor de quem sente. Cartas aproximam. Já as mensagens instantâneas parecem dar a largada para uma disputa de desencantos.

Deixo registrado, então. Que o silêncio fica melhor com a sua presença. Que a iminência do fim tem o poder de colocar um holofote sobre a verdade, justo quando não há mais tempo para procurar o que se perdeu. Que nos momentos de falta fica evidente o que é de fato importante. Que só compartilhamos com os amigos os momentos difíceis a dois. Não ligo para nenhum deles depois de um dia bom, para contar detalhes da paz que sentimos juntos. Momentos serenos não são cheios de detalhes, eles simplesmente são. Talvez por isso, porque só nos ouvem na hora do aperto, eles passem a torcer pelo fim. Juntos, nós os angustiamos.

Já reparou que só é capaz de ceder numa relação quem está mais seguro e sereno? Pois é, nem sempre estamos. Penso, concluo, choro. São as águas de março fechando o verão. “A saudade é terapêutica”, dissemos um ao outro. Devo estar agora num spa.

Agora que tudo acabou, preciso dizer que foi bom. E confessar que também não foi. As coisas podem ser boas e ruins ao mesmo tempo - a sombra persegue a luz. Agora que tudo acabou, tudo começa no quarto, luz apagada, a ausência gritando feito uma louca encarcerada. Agora que tudo acabou, as paredes dizem verdades que não quero ouvir. Descubro que nada acabou. Vou até a cozinha devorar os morangos. Espera, é a campainha. Acho que é você.

Cris Guerra

TO REMEMBER


Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesmo. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou preso dentro de mim.

Clarice Lispector

Frágil — você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal, de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos, começa a passar. Estende as mãos para a frente, como se fosse tocar o rosto de alguém. Mas você está sozinho, e isso não chega a doer, nem é triste. Então você abre a janela para o ar muito limpo, depois da chuva. Você respira fundo. Quase sorri, o ar tão leve: blue.

Caio Fernando Abreu
Porque a vida segue. Mas o que foi bonito fica com toda a força. Mesmo que a gente tente apagar com outras coisas bonitas ou leves, certos momentos nem o tempo apaga. E a gente lembra. E já não dói mais. Mas dá saudade. Uma saudade que faz os olhos brilharem por alguns segundos e um sorriso escapar volta e meia, quando a cabeça insiste em trazer a tona, o que o coração vive tentando deixar pra trás.

Caio Fernando de Abreu.

O amor é difícil para os indecisos. É assustador para os medrosos. Avassalador para os apaixonados! Mas, os vencedores no amor são os fortes, os que sabem o que querem e querem o que têm! Sonhar um sonho a dois e nunca desistir da busca de ser feliz, isso é para poucos.

Cecília Meireles

Mas é que eu morro de vontade de você.




"Um dia a gente acorda, os livros nos acordam, um anjo nos acorda, e somos avisados: não adianta mais olhar para trás. É ir em frente ou nada."


Martha Medeiros

E o amor?, você me pergunta. O amor, ah, sei lá. O amor nem dá pra definir direito. Acho que é um desejo de abraçar forte o outro, com tudo o que ele traz: passado, sonhos, projetos, manias, defeitos, cheiros, gostos. Amor é querer pensar no que vem depois, ficar sonhando com essa coisa que a gente chama de futuro, vida a dois. Acho que amor é não saber direito o que ele é, mas sentir tudo o que ele traz. É você pensar em desistir e desistir de ter pensado em desistir ao olhar pra cara da pessoa, ao sentir a paz que só aquela presença traz. É nos melhores e piores momentos da sua vida pensar preciso-contar-isso-pra-ele. É não querer mais ninguém pra dividir as contas e somar os sonhos. É querer proteger o outro de qualquer mal. É ter vontade de dormir abraçado e acordar junto. É sentir que vale a pena, porque o amor não é só festa, ele também é enterro. Precisamos enterrar nosso orgulho, prepotência, ciúme, egoísmo, nossas falhas, desajustes, nosso descompasso. O amor não é sempre entendimento, mas a busca dele. Acho que o amor não é o caminho mais fácil, pois mais fácil seria dizer a-gente-não-se-entende-a-gente-não-combina-tchau-tchau. O amor é uma tentativa eterna. E se você topar entrar nessa saiba que o amor encontrou você. Seja gentil, convide-o para entrar.

— CLARISSA CORRÊA.

Crash! Boom! Bang!




Se tu me amas, ama-me baixinho,
Não o grites de cima dos telhados,
Deixa em paz os passarinhos,
Deixa em paz a mim!
Se me queres, enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda.

— MARIO QUINTANA.

Não mesmo



“O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos.”

William Shakespeare
Vem pra se arrumar na minha confusão
Vem querendo ser feliz

Você, o amor e eu


Tipo eu



Com pessoas, essa forma de criação mais imperfeita que Deus colocou sobre a Terra, tenho deixado pra lá. Minha energia é para o texto, as plantas, os passarinhos que alimento com sementes de girassol. A minha autocura no braço, na raça, na solidão que ninguém compreende, e por isso mesmo não dói. Me dóem as feridas físicas, as queimaduras de nitrogênio líquido pelo corpo. Tenho visto anjos, sa’s?

E as fadas também existem, baby.

(Caio Fernando Abreu. Carta a Jacqueline Cantore)


Foi a maior força possível — me recuperei completamente do complexo de inferioridade e de abandono, senti outra vez aquelas coisas, lembrei de todas as letras do Roberto Carlos — fiquei, enfim, meio cafona como sempre fico nessas situações, mas agora já voltei a pisar na terra — tudo fica mais concreto, e eu compreendo melhor.

(Caio Fernando Abreu. Carta a Vera Antoun)




Eu não ia poder transar bem com você porque estou todo perdido, todo enrolado nos meus “adentros”, E não acredito que você pudesse melhorar a situação. São coisas muito minhas, incomunicáveis. Eu estou vazio, deprimido e amargo.

(Caio Fernando Abreu. Carta a Vera Antoun)